quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Corva um (re)começo


“(...)
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!”
O Corvo (1845) - Edgar Allan Poe - Tradução: Fernando Pessoa

Falar da minha vida passada é retornar a tempos que devem ser esquecidos. A iniciação feita pela ilustríssima Pomba me fez rever meus valores mundanos e me colocou em um estado de pureza que deve ser mantido a qualquer custo.
Minha humanidade se foi. Essa humanidade frágil e passageira deu lugar a minha santidade. Agora, fixo-me como uma rocha a meu lugar de destaque ao lado de Sua Alteza, A Pomba. Essa grande figura que representa a mais alta sabedoria dos mais altos reinos do céu e da Terra.
Ah, ilustríssima Pomba, devo-lhe tudo. Devo-lhe minha salvação! Ah, Pomba, você me salvou da desgraçada, dos pecados terrenos e da maldição da carne. Você me fez sublimar.
Por isso, faço tudo que me pede. Cumpro as mais diversas funções, ajudo-a a salvar outras almas da perdição e da libertinagem. Sinto que é minha obrigação alcançar o estado da alma dos miseráveis que andam pela terra como bestas, como monstros, sem objetivos, sem metas.
Ajudo como fui ajudada. Dessa forma, apresento-me como Corva I, a primeira e a melhor súdita de Pomba. Caminhamos por essas terras levando a salvação para os seres que perderam sua consciência, que saíram do caminho da glória e se embrenharam pela obscuridade.
Visando cumprir minha nobre tarefa, recuso-me a relaxar. Olho no espelho e contemplo a obra-prima de Pomba fincada como uma espada em meu rosto. Lembro-me de meu passado, de meu presente e das minhas obrigações. Vejo que há muito trabalho a ser feito e procuro o menor rastro de fraqueza humana para curar.
Oh, mas tenho meus problemas. Corva II é um deles. Essa criatura das trevas chegou recentemente para perturbar a minha eternidade. Seu sonho é me ver no chão. Mas pode esquecer, amada corva dois, sou forte como a própria Pomba. Seu rostinho corado não é capaz de abalar anos de prática nessa área. Você não é nada. Não adianta tentar me destruir com suas pequenas travessuras. Eu não posso sucumbir! Sou eterna e pra sempre vou servir a nobilíssima Pomba em sua empreitada.

Yasmim Raissa Silva Pessoa – 13 de outubro de 2011